Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Esquissos sobre Lisboa

Pequeno-almoço na FNAC

(Aqui vai mais um texto meu, repescado do baú das recordações. Foi escrito subitamente no Verão passado e é mais uma homenagem ao Gato da minha vida... ) Pequeno-almoço na FNAC Chaussons aux pommes ou talvez não. Sumo de laranja certamente. E um café. Curto. Eram oito e meia da noite e estávamos a tomar o pequeno-almoço. Naquele sábado sem história, ríamo-nos do mundo e dos outros. Rodeados de livros e discos, sentados nos bancos altos à volta da pequena mesa preta e redonda, éramos felizes. Ao nosso redor, outras gentes, outras vidas passavam com ar atarefado. A noite aproximava-se mas, para nós, o dia acabara de começar. Porque a noite fora longa e terminara à hora a que as convenções dizem ser do jantar. Mas nós alimentávamo-nos de amor e de desejo. Rebolávamos na cama como gatos, ronronávamos palavras de amor e amávamo-nos. Ríamo-nos sem razão, porque basta amar para ser feliz. Estávamos no centro de Lisboa, mas sentíamo-nos no mais longíquo deserto, porque o nosso mundo éramos nós

Sexta-feira ao entardecer

Imagem
Vi o sol pôr-se sobre o Tejo, enquanto os edifícios de Lisboa se iam recortando no cinzento em que o azul do céu se transformava. Na Ribeira, o anil celeste iluminou-me o olhar, repleto, já de si, de esperanças no futuro. Deixei-me impregnar pelo cheiro de maresia e pelos odores que se desprendiam das lojas de bairro que ainda povoam a zona ribeirinha da minha cidade. E, de repente, já nada era igual àquela calma de há minutos. Subir a Avenida da Liberdade em hora de ponta, numa sexta-feira outonal acariciada por um sol dourado, é entrar num inferno de ruído, raiva e multidão. Os condutores atropelam direitos cívicos, os carros buzinam palavrões, os semáforos, aparentemente sempre vermelhos, suscitam ódios viscerais. Como formigas que perderam a sua rainha, os peões movimentam-se em carreiros em percursos de vida que parecem ter perdido o nexo. E continuo a subir aquela artéria principal, com o Tejo, por trás, a acariciar-me as memórias de dois dias de aprendizagem intensa. Depois do M

Pequeno-almoço no Martinho da Arcada

Imagem
Terça-feira tomei o pequeno-almoço no Martinho da Arcada. O sol beijava o Tejo e dava mais cor ao amarelo dos Ministérios. Gente apressada passava sem ver Botero e as suas esculturas. Embebedei-me de Lisboa e de vida. Senti o sangue percorrer cada milímetro das minhas veias. Senti a alma expandir-se-me no corpo e renasci das minhas próprias cinzas. Veio-me de novo a vontade de viver e de lutar, de escrever e de triunfar. E de ser livre! Senti, uma vez mais, a dicotomia amor-liberdade e a incapacidade de equilibrar tais elementos. Estarei eternamente condenada à solidão criadora? Ou ao amor repetitivo? Quero criar! Mas quero amar também... A criação exige tempo. O amor exige ainda mais. Sem saber ainda a resposta, no sol que aquecia as arcadas do Martinho senti, contudo, a coragem de ser livre. De ser criadora. (c) Dulce Dias – 1998-04-09

Esta Cascais de que teimosamente não quero gostar

Imagem
... Este sol, contudo, não é absorvido pela vila com a mesma luminosidade doce e encantada de Lisboa. Aqui, nesta vila pela qual nutro um sentimento de amor-ódio, o sol matinal ilumina as casas cascaenses de uma luz que agride. O azul do céu é, também ele, diferente daquele de Lisboa. Nesta Cascais de que teimosamente não quero gostar – mas sobre quem leio tudo o que me oferecem -, não fossem os passeios aos correios para levantar encomendas e passaria por ela sem sequer dignar-me olhá-la. E hoje, em mais um desses passeios obrigatórios até aos Correios perto do Hospital – este último ainda nem descobri onde é! -, lembrei-me de que, provavelmente, do que não gosto, não é da vila, sim das pessoas: snobs, vaidosas e provincianas na sua Cascais-umbigo-do-mundo. Gente que não veste se a marca não tiver sotaque francês ou italiano. Gente que se fecha na sua pretensa qualidade-de-vida-que-só-existe-fora-de-Lisboa. E que não vê que a baixa cascaense vive de domingo a domingo atulhada de carro

Um dia a casa vem abaixo

Imagem
Folgo em saber que começa a haver alguma sensibilidade para o problema das casas abandonadas e do êxodo de Lisboa. A semana passada, a Lisboa Abandonada foi entrevistada. Hoje, a reportagem saíu no semanário Euronotícias . Com chamada de capa e duas páginas inteiras dedicadas ao tema. :))) A jovem jornalista, Carla Pereira , fez um excelente trabalho e está de parabéns. Vale a pena ler o artigo para perceber a dimensão do problema!

Lisboa em Agosto

É Agosto, mês de férias. Eventualmente, este é um dos melhores meses para se viver em Lisboa. Quem não a ama, consome os dias em infernais filas intermináveis rumo à Costa ou ao Algarve. Quem não a ama, foge daqui a sete pés, em conjunto com todos os outros milhares de pessoas que diariamente para aqui vêm trabalhar, queixando-se do trânsito. Agora, estão todos satisfeitos na mesma fila de trânsito a caminho da mesma praia, onde vão queixar-se todos do mesmo excesso de veraneantes... Eu? Eu fico por Lisboa. Tenho-a toda só para mim! As ruas estão quase desertas, os carros são poucos, os transportes públicos estão libertos e arejados. Lisboa dá-se-me em cada Agosto. Entrega-se-me como uma amante apaixonada e sem peias. E eu retribuo-lhe em dobro o seu amor, com toda a ânsia de quem sabe que o tempo chega ao fim, que Agosto acaba e que os romances de férias têm outras formas de continuação - mas nunca se repetem! Ou talvez só no próximo Agosto!!

Enlaçar-te de carinhos como Amo esta Lisboa

Queria conhecer o teu corpo como conheço esta Lisboa, cada esquina, cada beco, cada rua, cada viela... Queria percorrer-te as linhas, acariciar-te os seios com o deleite de descer Alfama e tocar o Chafariz. Queria descobrir-te os segredos, os gemidos e os ais como desfloro recantos de uma Baixa abandonada. Queria cobrir-te de beijos como abraço a Madragoa e enlaçar-te de carinhos como Amo esta Lisboa. (c) Dulce Dias – 1998-03-20

Calcorrear Lisboa

Enquanto o Sol beija o Tejo desço a Rua do Alecrim aspirando olisipos odores. Para trás fica o Chiado, à espera que "o metro em Pessoa" se abeire da velha Brasileira. Sorvo o ar matinal - invadido de perfumes de mulheres bonitas - e sinto renascer em mim energias redobradas. Uma nova vontade invade-me - com a intensidade das cores dos prédio RECRIAdos que se me imprimem na retina – e impele-me a ir mais alto, mais forte, mais longe. Calcorrear Lisboa é ter coragem de assumir o sonho - todos os sonhos! - é acreditar que tenho direito a tudo, e ter Força para lutar por isso. Calcorrear Lisboa é saber que o mundo é maior que o pensamento, é assumir o NÃO gritado às segundas escolhas, é despir-me de preconceitos e mágoas e vestir-me de luta e de conquista. Como o Martin, eu também tenho um sonho. - E vou lutar por ele! (c) Dulce Dias – 1998-01-19

Do Tejo até Cascais

Há um Tejo a banhar-se nas margens desta Lisboa - e mesmo para lá dela. A trovoada enraiveceu este Tejo manso que se joga sobre a costa como as lavadeiras de antanho batiam as roupas nas pedras da ribeira. Lisboa e o Tejo amam-se. A forma como ele se arremessa sobre ela é a de um amante apaixonado e sequioso de amor e de amplexos de prazer. Em face de mim, um casalinho pouco mais do que adolescente transborda a sua paixão em beijos e pedidos de carinho - logo, logo satisfeitos. O sol invade este velho combóio e uma aura doce liberta-se do jovem casal. O Tejo perdeu o azul da manhã, tornou-se cinzento raiado de espuma branca, e estende se agora ao longo da Marginal, molhada, ela, da chuva de há pouco. Agitadamente, ele, vai murmurando a sua fúria em direcção à barra. O céu quis contrariá-lo. Despiu-se do seu fato cinzento-trovoada e vestiu-se de anil, também ele, no entanto, raiado de branco, do branco das nuvens que passam em fato de passeio. As palmeiras e os abetos que convivem ao lo

Quero colorir esta Lisboa

Esta noite, Lisboa adormeceu chuvosa. Mas quem a ama, sabe gostar dessas suas lágrimas que a lavam e rejuvenescem... Quero colorir esta Lisboa Quero colorir-te, Lisboa. Expressar no papel as impressões dos verdes, dos rosas, dos ocres. E dos azuis também. Quero rasgar-te de Luz beijar-te de Rio e amar-te despida em cada manhã de sábado. Percorro-te as entranhas de escadas e escadinhas muito tímidas. Perscruto-te a alma de cada água-furtada aberta sobre a Vida. As minhas mãos querem acariciar o teu corpo quente. No entanto, estás fria, enrugada, velha e gasta. Caem-te os cabelos, curvam-se-te as costas, choram-se-te as portas enferrujadas. De ti, prostituta de rosto sofrido, queria ser teu cirurgião: fazer-te um lift ou outro que tal, recuperar-te a fronte e elevar-te o sorriso - com franqueza! até uma prostituta deve ser bela! E tu és o fogo que me alimenta a alma. Acalmas-me o espírito em lojinhas de bairro. Desejas-me bons dias em gatos vadios ou lambes-me as lágrimas com teus raios

Adeus a Sapadores

Ainda e sempre no baú inédito dos meus rascunhos! Adeus a Sapadores Coimbra tem mais encanto, na hora da despedida . E Sapadores tem a mesma magia de sempre. Fui hoje despedir-me daquele 4.º andar do n.º. 7 da Rua Capitão Humberto Ataíde. Não vou negar a pena que senti por deixar aquelas escadas íngremes e velhinhas, por não voltar a ver a nesga de Tejo que me fazia agradecer por acordar viva. O sol lavava o rio em cada parto matinal e, juntamente, as minhas mágoas e dores. É um sol que não voltarei a ver igual, por vezes baço e fazendo um esforço para romper o nevoeiro que resguardava o rio, outras vezes imponente e majestoso, erguendo a sua força sobre um rio que traz à cidade um turbilhão de gentes ensonadas e violentadas no sono da manhã. Como é linda a minha cidade com a cara lavada por uma manhã de sol primaveril! Mas agora tenho à minha frente este mar infindo, e por isso fui dizer o derradeiro até sempre à minha mansarda tão alta que nem em cima de uma cadeira lhe conseguia tro

Prefiro uma nesga de rio a uma imensidão de mar

Sem computador e numa casa desfeita, sinto-me só e sofrida. Deram-me o sol inteiro e um oceano a perder de vista. Em troca, levaram-me a minha nesga de rio e a minha cidade fetiche. O meu ancien quartier foi substituído por um bairro novo-rico e muito kitsch , de casas quadradas como paralelepípedos tombados e de elevadores que impedem as pessoas de comunicar. Tudo o que sempre não quis veio para mim, como castigo. Sofro, é verdade, e ninguém sabe porquê, porque gosto tanto desta cidade de sete colinas íngremes que só sabem amar a quem as ama e as respeita; porque gosto tanto do triângulo de rio que me espreita em cada manhã, e agora cada vez mais intensamente porque ele e eu sabemos que é o adeus. Um adeus aos lamentos futuros com cheiro a saudade das noites de raiva, de prazer, de nostalgia... Ninguém sabe compreender que eu prefira uma nesga de rio a uma imensidão de mar. Mas sou assim. Gosto de águas-furtadas com cheiro a História, de escadas íngremes e protectoras de intrusos, de

Ainda a Lisboa Abandonada

Apesar da minha já longa experiência com a capacidade de interacção que a internet provoca, esta não deixa, contudo de surpreender-me. Depois de ter aderido à mailing list da Lisboa Abandonada , preparei-me para ir à descoberta da nossa primeira reunião. Eu sei que podemos fazer daquela ideia o que nós quisermos - está na nossa mão -, mas sinceramente não esperava que tantas pessoas acreditassem no mesmo! Não esperava encontrar cerca de trinta pessoas, reunidas numa sala gentilmente cedida por outra organização, empenhadas em recuperar esta Lisboa que todos nós amamos. De estudantes a executivos, de físicos a psicólogos, passando por arquitectos, construtores civis, jornalistas e outros profissionais da comunicação, havia lá de tudo. Mais de trinta pessoas das mais variadas idades, decididas a fazer o possível para salvar Lisboa do abandono. Gostei. Gostei mesmo de lá estar. E vou gostar mais ainda dos desafios que me esperam enquanto membro activo deste embrião de associação. Quem est

A única nota de beleza é a minha casa

Mais de cinco anos passados sobre o texto que hoje publico, olho para trás, para épocas conturbadas da minha vida, e não posso deixar de interrogar-me se a Dor não será a grande Mãe da Criação... A única nota de beleza é a minha casa Olhando o Tejo através da janela do meu quarto, penso em como ninguém compreende porque teimo em manter esta casa. Magnífica. Linda. E eis-me acorrentada de livre vontade a uma casa que me consome energias, sonhos e salários. Talvez nem eu saiba porque razão gosto tanto dela. É linda. Em cada recanto de princípio de século, em cada coup d'oeil que lanço pelas janelas, em cada tábua de soalho encerado que geme sob os meus passos, adoro esta casa. No branco das paredes inundado pelo brilho de um pôr de sol ou pelo doce calor de uma aurora. São paredes que habitam a minha alegria ou as minhas tristezas, mas são o que me resta do sonho sonhado. São o meu único "Q" que me dá prazer neste mundo que me é cada vez mais hostil. Sonho com a cultura, c

Desci a manhã numa rua orlada de Tejo fugidio

Hoje cá vai mais um esquisso retirado do baú das memórias e do Amor. Espero que continuem a gostar! Desci a manhã numa rua orlada de Tejo fugidio Desci a manhã numa rua orlada de velhos candeeiros de ferro forjado e inclinada de sol e de Tejo fugidio. Ainda sentindo o cheiro da aurora campestre ribatejana, Lisboa pareceu-me, contudo, limpa e perfumada. Falta-lhe o odor das bestas e o cacarejar das galinhas receosas pelos pintainhos saídos do ovo. Mas tem o formigar de gentes que ficou lá atrás, e deixou para mim esta nesga de rio que emoldura a janela do meu quarto. Mesmo quando, como agora, ao longe falta visibilidade, os contornos da outra margem impõem-se na imaginação de quem conhece o É deste rio. Aos olhos de quem o ama (como quando se ama muito alguém muito querido) não é difícil desenhar-lhe as beiras que alarvemente teimam em inundar a lezíria e o sonho. Recordo-o sempre numa admiração de primeira vez, que já não sei quando foi. Perdida no sótão da minha meninice surge a memór

Lisboa abandonada

Hoje tenho de agradecer a todos vocês, leitores do meu blog, as palavras simpáticas que me têm escrito! Gente! Se vocês continuam a enviar-me feed-back tão agradável, eu vou convencer-me que o meu blog é bom... :))) Feito o aparte, passemos ao assunto de hoje: o abandono! Lisboa é bela, já o disse, mas é também uma mulher abandonada, perdida na vida, sem saber o caminho - a menos que nós lhe demos uma ajuda. Há pouco tempo, descobri um site na net portuguesa que fala, exactamente, dessa Lisboa Abandonada , e, claro, entrei para a comunidade. Trata-se de um grupo de cidadãos preocupados com os prédios que estão devolutos, a cair, arruinados e ao abandono. Queremos fazer pressão - junto dos proprietários, da câmara municipal, de quem de direito... - para que sejam recuperados, reconstruídos, reutilizados... Para que possam, de novo, voltar a ser locais de vida e de felicidade. Esta sexta-feira, vou conhecer o grupo. É a primeira reunião em que vou participar. Depois, eu conto-vos como co

Cidade coquette

Lisboa hoje surpreendeu-me de novo em algo que já não devia ser novidade: a sua beleza. Mas a verdade é que há dias em que ela parece mais bela, como se se tivesse enfeitado de propósito para ser fazer coquette ... Hoje, em São Francisco Xavier, apareceu-me vestida de verde e maquilhada de azul. Ela veste-se assim, muitas vezes, mas naquele momento em que o tempo pairou sobre a realidade, os meus olhos viam-na particularmente bonita. A água que lhe aspergia os cabelos deixava no ar gotículas de sonho e de saudade. Ao fundo, o azul dos seus olhos cor de Tejo confundia-se com um outro azul, o do céu em tons de Verão. Pelo meio, uma linha de curvas ténues acentuava-lhe a cintura como quem a abraça da outra margem. Deixei que o meu olhar descesse a curva do seu corpo, repousei-o no rio e elevei-o depois... Como quem agradece a benção de amar assim! (c) Dulce Dias - 2001-07-18

Esta luz que desflora recantos

Para quem não sabe, Lisboa é a minha grande Paixão. É o meu amor, a minha mulher, o meu amante, a minha vida. Por ela, transmuto-me em carvão e em diamante e de novo em carvão, num ciclo sem fim que me leva, quase sempre, à beira Tejo, onde vou repousar o olhar no rio da minha cidade. Por isso, não será de estranhar que aqui se vão "pu blog ando" algumas das cartas de Amor que, ao longo dos tempos, lhe escrevi. Esta que se segue é uma delas. Esta luz que desflora recantos Realmente, só Lisboa tem esta luz que desflora recantos escondidos num final de tarde e de semana. Numa cidade temporariamente liberta de bípedes apressados, o cair do crepúsculo ilumina becos, vielas e velhinhas de negro vestidas e cobertas com o xaile da tristeza, da solidão e da viuvez. E cada pedaço de rua, cada bocado de casa velha, quase podre, habitada pelo silêncio, pelas ervas e por um ou outro roedor que aí se abrigue, nasce, só para mim, nesta Lisboa que aprendo, dia a dia, a amar. E como todos os